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26 de fevereiro de 2019

Fidalguia Socialista, Republicana e Laica… Nobreza?




Como todos sabemos:

  1. A palavra “Fidalguia” designa o conjunto dos fidalgos e a palavra “fidalgo” designa os filhos-de-algo, isto é, os filhos de pessoas que são algo, que são importantes, que são poderosas.
  2. A palavra “Nobreza” designa o conjunto dos nobres e a palavra “nobre” designa, não os filhos-de-algo, isto é, os filhos de pessoas que são algo, que são importantes, que são poderosas, mas as pessoas que possuem um determinado conjunto de qualidades tidas por próprias dos nobres, por exemplo: bondade; coragem; desprendimento; distinção; estoicismo; excelência; generosidade; gentileza; honra; integridade; lealdade; lhaneza; mérito; serenidade; virtude.
  3. A palavra “Aristocracia” (derivada do Grego “ἀριστοκρατία”, transliteração latina (t.l.) “aristokratía”, de “ἄριστος”, t.l. “aristos”, que significa o melhor, e “κράτος”, t.l. “kratos”, que significa poder, força) é uma forma de governo que coloca o poder nas mãos dos melhores.
  4. Há quem considere que a palavra “fidalgo” é sinónima da palavra “nobre”, que a palavra “Fidalguia” é sinónima da palavra “Nobreza” e que a  palavra “Aristocracia” é uma forma de governo que coloca o poder nas mãos dos fidalgos, ou dos nobres, sejam, ou não, eles os melhores.

Entretanto, e como também todos sabemos:

  1. Os filhos de pessoas que são algo, que são importantes, que são poderosas, podem, ou não, possuir o conjunto de qualidades tidas por próprias dos nobres e, caso as não possuam, são depreciativa e jocosamente designados pela palavra “fidalgote”, não pela palavra “fidalgo”, ou pela palavra “senhorito”, não pela palavra “senhor”.
  2. Os Ingleses afirmam que “it takes three generations to make a gentleman”, em português “leva três gerações para fazer um cavalheiro”, um fidalgo, e os Portugueses, quando afirmam que “avô pobre, pai rico, filho nobre, neto pobre” demonstram bem serem mais exigentes que os Ingleses no que a fidalguias concerne.

E, perguntará o leitor, a que propósito vem tudo isto?

Vem a propósito de um artigo de João Miguel Tavares hoje publicado, artigo que abaixo transcrevo.


O país dos filhinhos do papá existe mesmo – e é feio

Em Portugal, são demasiados casos, demasiados exemplos, demasiados filhos, demasiados amigos, para que tantos “filhos de” e “filhas de” sejam os mais competentes do país em tantos lugares distintos.

Por João Miguel Tavares no Público a 26 de Fevereiro de 2019, às 06:15

As inúmeras reacções a desculpar o problema dos cruzamentos familiares no actual governo, inclusivamente por parte de pessoas que tenho por sérias e inteligentes, demonstram bem o caminho que este país ainda tem de trilhar para adquirir uma cultura cívica minimamente decente. A ingenuidade (para utilizar uma palavra simpática) com que o argumento da competência foi invocado para justificar as opções de António Costa – a saber: não interessa se são filhos, pais, irmãos, maridos ou mulheres, o que interessa é se são competentes ou não – deixa-me absolutamente estupefacto, porque é demasiado básico, vulgar e terceiro-mundista. O problema não está, nem nunca esteve, na competência das pessoas envolvidas. Está, como sempre esteve, na sua proximidade.

Quem reflecte sobre relações e hierarquias sociais já compreendeu, há milénios, que a proximidade familiar pode atrapalhar a tomada das melhores decisões, devido a interesses secundários que se intrometem. Não é por acaso que as sociedades mais desenvolvidas do planeta são aquelas em que as instituições melhor resistem às tentações endogâmicas. O conceito de conflito de interesses não depende da inteligência, da competência ou da seriedade dos envolvidos – ele precede tudo isso. E precede-o não só para evitar que relações íntimas se cruzem com as decisões políticas, mas também porque a nomeação de amigos ou familiares para cargos poderosos e de difícil acesso transmite uma péssima imagem para uma sociedade que se quer meritocrática. O que diz é isto: não basta seres bom; precisas ser bem.

Não deveria ser necessário migrar da província para a capital, ou viver fora de grandes centros urbanos, para perceber o quanto a sociedade portuguesa é sufocada por um pequena elite que se vai perpetuando nos lugares mais elevados de poder, e que à boa maneira aristocrática consegue que os privilégios passem de pais para filhos ou circulem entre grupos de amigos próximos. A promoção dos “filhos de”, como muito bem sabe quem lá anda, é constante nas faculdades de Medicina, nos hospitais, nas faculdades de Direito, nos escritórios de advogados. Ainda há poucos dias foi noticiado que o PS propôs para o Tribunal Constitucional a jurista Mariana Canotilho. Filha de quem? Do professor José Gomes Canotilho, claro está.

Isso não significa, como é óbvio, que Mariana Canotilho não possa ser extremamente competente como juíza. Tal como Mariana Vieira da Silva poderá certamente vir a revelar-se muito competente como ministra. Só que, em Portugal, são demasiados casos, demasiados exemplos, demasiados filhos, demasiados amigos, para que tantos “filhos de” e “filhas de” sejam os mais competentes do país em tantos lugares distintos. Tamanha excelência geneticamente concentrada não só é coisa estatisticamente improvável, por melhores que sejam os papás e a educação que deram aos seus meninos, como, ainda que fossem, de facto, as pessoas mais competentes de Portugal, o problema que acima assinalei persistiria: o miúdo nascido numa família modesta do Alandroal iria sempre sentir que o seu elevador iria ficar encravado nos andares mais altos do país, por falta de lubrificação social. E com razão.

O que acabo de dizer deveria ser perfeitamente pacífico e consensual. Os problemas da endogamia portuguesa estão detectados há muito, e há vasta literatura sobre o tema. Se já nem isto causa um genuíno sobressalto cívico, então o país ainda está mais sonâmbulo do que eu pensava.

Jornalista

Estes artigo está aberto e comentado


Fontes
  1. “Sou socialista, republicano e laico” in “Mário Soares”. Wikiquote. Esta página foi editada pela última vez às 21h42min de 7 de janeiro de 2017. Página visitada a 26 de Fevereiro de 2019, às 14:48.
  2. The Gentleman and the Lady” in MELANIE, Lilia. "English 40.4: The Nineteenth Century British Novel". Brooklyn College English Department. No publication date. Retrieved on February 26, 2019 at 17:21.
  3. it takes three generations to make a gentleman” in “Proverbs new dictionary”. Academic Dictionaries and Encyclopedias. No publication date. Retrieved on February 26, 2019 at 18:33.
  4. DEY, Atanu. “The Cycle of Wealth and Poverty”. Atanu Dey on India's Development. Published on August 23, 2015. Retrieved on February 26, 2019 at 18:40.
  5. TAVARES, João Miguel. “O país dos filhinhos do papá existe mesmo – e é feio”. Público. Publicado a a 26 de Fevereiro de 2019, às 06:15.

Referências



Etiqueta principal: Política.
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