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Como o que faz mover o mundo são os “interesses”, não as “ideologias”, o que interessa é saber quais são os “interesses” dos partidos políticos, ou daqueles que as ditos representam, não é saber quais são as “ideologias” que afirmam serem as suas.
Seguem-se o artigo "Partidos a esquadro e regra?", da autoria de José Miguel Júdice (originalmente publicado no Jornal de Negócios a 23 de Outubro de 2019) e o comentário ao dito artigo "O que interessa são os “interesses”!", da minha autoria (originalmente publicado neste blogue a 24 de Outubro de 2019).
Partidos a esquadro e regra?
A minha tese é que seria mais sensato que os dirigentes partidários da direita passassem a gostar mais dos seus eleitores e com isso a falarem para o que eles querem e não para o que acham que os eleitores devem querer. Talvez isso reduza a abstenção.
Por José Miguel Júdice no Jornal de Negócios a 23 de outubro de 2019.
Em Portugal há uma tendência cuja genética ainda não descobri: quando se pretende contrariar uma tese ou teoria, raras vezes se refere o autor ou autores da teoria criticada. O mundo não acabará por causa disso, mas torna o debate mais difícil. É que a reação natural de quem defendeu algo diferente costuma ser ficar calado, até pelo receio tão português de se pensar que se responder se estará a pôr nos bicos dos pés.
Vem isto a propósito de um artigo de Adolfo Mesquita Nunes, que responde a uma tese segundo a qual, e cito, "o sistema [político-partidário] tem de rearranjar-se para que cada partido represente uma homogénea e estanque família ideológica", no fundo e à direita, "os liberais...na IL, os nacionalistas no Chega, os conservadores no CDS e os sociais-democratas no PSD".
Admito que não estivesse a pensar em mim quando escreveu. Seja como for, gostosamente enfio a carapuça, até porque admiro o autor. Mas não a enfio até ao ponto de tapar os olhos.
Por isso tenho de afirmar que (i) não acho que "o sistema tem de rearranjar-se", e (ii) não acho que cada partido tenha de representar "uma homogénea e estanque família ideológica".
Por isso nada tenho a dizer contra as razões organizadas (a regra e esquadro…) por Mesquita Nunes para recusar a minha tese. Apenas tenho de revelar que essa não é a minha tese…
E depois deste aviso, vamos ao que interessa. Há 40 anos que os partidos da direita portuguesa têm sido mais capazes de colaborar serenamente entre si do que cada um deles aceitar a sua diversidade interna: as guerras de tendências, as ostracizações de colegas de partido, as "fake news" para os sangrar, as "fatwa" destinadas a destruir a legitimidade dos que pensam diferente da ortodoxia do momento, dariam um texto com dezenas de páginas.
Sendo assim, dois tipos de edifício político parecem possíveis e nenhum deles exige instrumentos geométricos para ser construído: (a) os partidos diluem ainda mais a sua identidade, reforçam o seu atual "patchwork" ideológico e vão continuar todos a lutar por um mesmo eleitorado mítico, ou (b) os partidos assumem uma matriz ideológica básica, admitem as naturais nuances que Mesquita Nunes parece achar que eu recusaria, mas vão dirigir-se preferencialmente a certos e diversos eleitorados.
E parece que tenho razão em concreto: veja-se (i) no PSD a guerra evidente entre "verdadeiros sociais-democratas" e todos os outros apodados de "liberais", e (ii) no CDS a guerra ainda intestina entre "conservadores" e "liberais".
Aliás tudo é ainda pior: conheço ainda razoavelmente bem o PSD para achar que a matriz sociológica conservadora é nela dominante, e curiosamente não vai a combate…
A minha tese é que seria mais sensato que os dirigentes partidários da direita passassem a gostar mais dos seus eleitores e com isso a falarem para o que eles querem e não para o que acham que os eleitores devem querer. Talvez isso reduza a abstenção.
Se isso acontecer, será ainda mais evidente que o PSD é um partido tendencialmente social e de centro-direita e o CDS é um partido tendencialmente conservador e de direita. Agora chegam ao mercado um partido que será provavelmente de direita radical ou extrema, populista e antissistémico (o Chega) e um partido (Iniciativa Liberal) que pretende ocupar o espaço liberal que desde 1974 não foi ocupado (a ponto de alguns politólogos, sabe Deus a razão, acharem que não tem hipótese em Portugal).
A história da direita em Portugal foi sempre a da ilusão dos "liberais" em conquistarem o PSD e/ou o CDS e, não o conseguindo, acabarem irrelevantes. O meu querido e saudoso amigo Francisco Lucas Pires, quer no CDS quer depois no PSD, é um "óbvio ululante" exemplo desta minha tese. Ele foi o mais liberal dos políticos portugueses. E, curiosamente, um dos mais populares no seu tempo… antes de aceitar o presente envenenado de Amaro da Costa para passar a vice-presidente do CDS e ser "normalizado".
Gostaria que o mesmo não acontecesse a Adolfo Mesquita Nunes, a António Pires de Lima e a muitos outros que no CDS e PSD se sentiriam melhor com eles do que com Rui Rio ou Xicão.
Claro que posso estar errado e, no início de 2020, os liberais de cada um dos partidos ganharem aos outros. Pode ser. Mas servirá para alguma coisa?
O que interessa são os “interesses”!
Como o que faz mover o mundo são os “interesses”, não as “ideologias”, o que interessa é saber quais são os “interesses” das direcções dos partidos políticos, ou daqueles que as ditas direcções representam, não é saber quais são as “ideologias” que essas direcções afirmam serem as suas.
Por Álvaro Aragão Athayde no blogue coisas & loisas a 24 de Outubro de 2019.
A famosa frase que Henry Temple, 3.º Visconde Palmerston, proferiu no seu discurso na Câmara dos Comuns, a 1 de Março de 1848,
We have no eternal allies, and we have no perpetual enemies. Our interests are eternal and perpetual, and those interests it is our duty to follow.
ou, traduzindo,
Nós não temos nem aliados eternos, nem inimigos perpétuos. Os nossos interesses é que são eternos e perpétuos, e é esses interesses que temos o dever de prosseguir.
é válida quer para as pessoas individuais quer para as pessoas colectivas.
Tal como o Reino Unido não tem, segundo Lord Palmerston, nem aliados eternos, nem inimigos perpétuos, nem nenhum outro estado os tem, mas tem interesses que são eternos e perpétuos, tal como os demais estados os têm, o mesmo acontece com todos nós, pessoas singulares, e o mesmo acontece com as pessoas colectivas que não são estados, como é o caso das agremiações religiosas, das empresas económico-financeiras, dos clubes desportivos e recreativos, dos partidos políticos, das demais pessoas colectivas de direito privado, ou de direito público, e, inclusive, das pessoas colectivas que actualmente não são sequer reconhecidas, como é o caso das linhagens familiares.
Logo o que importa não é saber quais são as “ideologias” que os partidos políticos, ou as suas direcções, afirmam serem as suas.
E menos ainda importa saber quais são as “ideologias” que os comentadores, ou os polítólogos, juram serem as deste, ou daquele, partido político.
O que importa, o que realmente importa, é saber quais são os “interesses” que os partidos políticos, ou suas direcções, consideram ser os seus interesses eternos e perpétuos.
As “ideologias” são camisas, labitas, que se escolhem, vestem, despem, conforme for mais conveniente.
E se não existir uma “ideologia” adequada à circunstância, ao momento, inventa-se uma nova, qual o problema?
É certo que muitas pessoas singulares, e não muitas pessoas colectivas, sacrificam a “satisfação imediata” de muitos dos seus interesses à “satisfação mediata” desses, ou de outros, interesses – algo que uns vêm como altruísmo e outros vêm como parvoísmo – mas o facto é que sacrificar a satisfação imediata de alguns interesses à sua satisfação mediata desses, ou de outros, interesses, não significa que os ditos interesses não existam, que não sejam importantes, ou que não sejam prosseguidos.
Pessoas singulares que investem em filhos em lugar de investirem em carros, ou em viagens a Cancun, estão a cuidar bem, inteligentemente, dos seus próprios interesses. Quando forem velhos os investimentos que fizeram em carros, ou em viagens a Cancun, não lhe serão de utilidade alguma, mas os que fizeram em filhos poderão sê-lo.
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Fontes
- “Esquerda, direita, liberal e conservador”. Juliana Bezerra. diferenca.com. Sem data de publicação. Recuperado a 24 de Outubro de 2019, às 13:08.
- “Partidos a esquadro e regra?”. José Miguel Júdice. Jornal de Negócios. Publicado a 23 de Outubro de 2019, às 09:30. Recuperado a 23 de Outubro de 2019, às 23:30.
- “Henry Temple, 3rd Viscount Palmerston”. Wikiquote. This page was last edited on 1 May 2019, at 22:42. Retrieved on 24 October 2019, at 14:26.
- “E. O. Wilson”. Wikipedia, the free encyclopedia. This page was last edited on 30 September 2019, at 06:21 (UTC). Retrieved on 24 October 2019, at 19:17 (UTC+1).
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