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Ilustração do artigo de José Pacheco Pereira. |
Sobre o tema em epígrafe reproduzo os artigos de Vasco Pulido Valente e José Pacheco Pereira, dois conhecidos e notórios arqui-fascistas, dados à estampa no jornal PÚBLICO, um conhecido e notório diário arqui-reaccionário, no dia 28 de Setembro de 2019 E.C. (Era Comum, já não se diz d. C.).
Vivemos tempos interessantes 😎
Diário
Como é que o primeiro-ministro não sabia de nada sobre Tancos, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública e vergonhosamente despedido.
Por Vasco Pulido Valente no Público a 28 de Setembro de 2019, às 05:20 GMT+01.
22 de Setembro
A campanha eleitoral tem sido muito mansa, e seria ainda mais mansa se esse génio da política chamado Costa tivesse percebido que ganhava mais em estar sossegado em São Bento do que em vir para a rua na sua persona de militante do PS juvenil.
Mesmo nos debates devia ter conservado o recato. As zaragatas com Catarina Martins, e mesmo com Rui Rio, não lhe acrescentam nada e diminuem-no sempre. E as insinuações sobre “herdades no Alentejo” para embaraçar Cristas não são dignas dele.
O que o nosso Costa aparentemente não percebeu é que ninguém no seu são juízo irá entregar o país a Rui Rio, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa ou Assunção Cristas. Bastava-lhe estar quieto. Mexeu-se, estragou.
23 de Setembro
24 de Setembro
António Costa disse na televisão que as coisas que mais o irritavam eram a estupidez e a mentira. Concordo inteiramente com ele. O meu avô costumava avisar: “O pior na vida não são os maus, são os estúpidos.”
25 de Setembro
Marcelo Rebelo de Sousa jurou em Nova Iorque, citando Nixon, “I’m not a crook”. Já sabíamos.
25 de Setembro à noite
Sessão ululante em Westminster. Boris Johnson, muito insultado, apresenta-se como mandatário da vontade do povo tal como foi expressa no referendo de 2016; a Câmara dos Comuns não reconhece nenhuma soberania superior à sua. É uma conversa de surdos, agravada pela intromissão do poder judicial em assuntos intrinsecamente políticos, e pelo facto do Partido Trabalhista recusar eleições, com medo de as perder.
Os partidários da União Europeia conseguem impedir o “Brexit” de se consumar, mas, fora isso, não sabem o que querem. Johnson não consegue o “Brexit”, e não tem maioria para governar, nem a pode pedir em novas eleições. E hoje nem sequer está seguro do seu próprio partido. Tudo continua encrencado.
26 de Setembro
Os nossos directores de consciência andam sempre a proclamar que detestam a judicialização da política, mas, quando aparece uma pequena oportunidade, agarram-se de unhas e dentes ao que antigamente os jornais do Estado Novo intitulavam, com todo o pudor, “Casos Crapulosos”. Não me interesso nada pela história de polícias e ladrões em que se tornou o roubo de Tancos. É, simplesmente, a história de um advogado de província, que António Costa nomeou ministro da Defesa. Deu para o torto, como devia dar. Só que, pelo caminho, levantou um problema grave: as relações entre o poder militar e o poder civil. Ficámos a saber que o dr. Azeredo Lopes desmaia perante uma farda. Isto, em si mesmo, já é péssimo, principalmente porque sugere uma pergunta fatal: quem mais desmaia ou desmaiou perante uma farda nos dias que vão correndo?
26 de Setembro à noite
Como é que o primeiro-ministro não sabia de nada, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública e vergonhosamente despedido.
27 de Setembro
Para minha surpresa, a esquerda correu em socorro da menina Greta que passou a ser a vítima dos “negacionistas”. Concordo, entendendo por “negacionistas” os que se negam usar uma adolescente para os seus propósitos.
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Ilustração do artigo
Ana Henriques e Ana Dias Cordeiro. Público. 27 de Setembro de 2019, às 06:36 GMT+01.
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Eu não percebo nada desta história de Tancos
Algumas declarações do ministro ou do primeiro-ministro tornam-se hoje demasiado suspeitas quando colocadas no contexto dos eventos que hoje conhecemos.
Por José Pacheco Pereira no Público a 28 de Setembro de 2019, às 06:00 GMT+01.
Vejamos que hipóteses existem.
A primeira e mais simples é que aquilo que motivou o roubo tenha sido o mesmo que envolveu toda esta gente: dinheiro. Apesar de ser a hipótese mais simples, nada aponta nesse sentido. A motivação do dinheiro parece ter ficado apenas nos autores do roubo, o que torna mais difícil explicar o encobrimento.
A segunda hipótese é a de que a operação do encobrimento destinar-se-ia a ajudar as chefias militares, em particular da PJM, a remendarem a má fama de terem permitido o roubo e não terem conseguido em tempo útil prender os ladrões. Recuperando o material lavariam parte da sua honra e revelariam capacidade de investigação, na competição com a PJ civil. Pode ser, mas, mesmo assim, por que razão este objectivo não era cumprido pela prisão dos autores do roubo e subsequente recuperação do material? Que poder tinham os ladrões, que já eram conhecidos da PJM, para obter o anonimato e portanto escapar à prisão, exigindo não ser detidos em troca da “descoberta” das armas? Que sentido tinha protegê-los, que, no fundo, era o principal resultado do encobrimento, para além da recuperação das armas? Presos pela PJM, era só uma questão de tempo até se descobrirem as armas, que não são propriamente coisas fáceis de esconder e andar a carregar de um lado para outro. Não se percebe.
A terceira hipótese, que é uma extensão da segunda, tem a ver com a explicação que teve que ser dada a todos os que colaboraram no encobrimento. Não havendo motivação material, o que é que levou dois grupos de militares, todos com experiência e funções na área de investigações, um na PJM e outro na GNR de Loulé, a participarem numa operação que todos sabiam ser ilegal, e ter que ser clandestina, uma farsa encenada cujo objectivo era proteger um grupo de criminosos da prisão? O que é que uns disseram aos outros sobre o que iam fazer, sobre o que podiam ou não dizer, sobre o objectivo de uma operação complexa envolvendo meios e homens? Como li apenas os excertos que a imprensa publicou, pode ser que no processo esteja a resposta, mas esta é uma questão crucial.
A quarta hipótese é uma extensão das duas anteriores, para o terreno dos responsáveis políticos. É muito pouco plausível que não houvesse informação do que se passava para o ministro da Defesa. E tendo chegado a este, muito difícil que não tenha chegado ao primeiro-ministro e, em determinadas circunstâncias, ao Presidente da República. Este último elo é hipotético, dependendo daquilo que cada um estava a dizer ao outro sobre a natureza da operação do encobrimento. Como é que ela era descrita, quais os objectivos que lhe eram atribuídos? E mais ainda: quem disse a verdade, quem “interpretou” o acontecido, quem racionalizou a operação? Não estou a ver ninguém a dizer para cima que se ia proteger os ladrões para recuperar as armas, até porque isso era um crime sem ambiguidades. Devia haver “explicações” mais sofisticadas. Por exemplo, que se tratava de uma operação secreta qualquer que tinha que ficar coberta pelo segredo de Estado, o que justificaria a obrigação de mentir no Parlamento. Intelectuais cujo conhecimento do mundo operacional vem dos filmes de espionagem, e que subitamente se vêem a lidar com militares, são particularmente manipuláveis. Se soubermos isso, percebemos um pouco mais.
A quinta hipótese vem da explicação que avança o Ministério Público de que o encobrimento ajudava o Governo a melhorar a imagem afectada pelo roubo, no contexto dos incêndios. Para além da estranheza de ver o Ministério Público a fazer análise política, esta “explicação”, que não é implausível, implica que a decisão de aceitar o encobrimento envolveu o Governo, ou seja, pelo menos o ministro da Defesa e o primeiro-ministro. Se o ministro da Defesa pode ter sido ingénuo e manipulado pelos militares de que o encobrimento servia um propósito de Estado, maior do que salvar os criminosos ou a honra da PJM, o primeiro-ministro é tudo menos ingénuo. Portanto, não sendo impossível que esta tenha sido uma motivação profunda, mesmo sem ser explicitada, a consciência dos enormes riscos do encobrimento era já então mais que evidente visto que o assunto era “quente” na opinião pública, e com tanta gente envolvida, nenhum segredo podia ser mantido. Por isso, parece-me imprudência a mais, mas se foi assim, seja por ingenuidade, seja por negligência, seja por sentimento de impunidade, todo o peso da justiça deve cair em cima dos responsáveis políticos.
Há uma sexta hipótese, a de que se trataria de uma operação destinada a comprometer os responsáveis políticos, o que teria uma motivação em adversários da “geringonça” ou em inimigos do ministro. Parece-me ser uma hipótese puramente conspirativa, sem fundamento. Já outra coisa é ter havido pelo meio armadilhas para comprometer terceiros quando as coisas já não estavam sob o controle dos autores do encobrimento. Algumas versões sobre quem disse o quê a quem, incluindo o “papagaio-mor”, podem ter tido essa função.
Etiqueta principal: Política à Portuguesa.
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