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20 de outubro de 2018

Tancos e a Soberania


Mais de 40 anos depois a experiência real do que foi o combate em África,
pela escrita de um antigo Primeiro-Cabo Pára-quedista.


li recentemente dois artigos sobre o Caso de Tancos (não sei bem se sobre se a propósito), um de um senhor almirante outro de um senhor general, e nenhum foi ao fundo da questão

e o fundo da questão é

¿ um estado não soberano necessita de forças armadas ?


¿ um estado não soberano ?

¡ mas Portugal é um estado soberano !

¡ não é não !
"Wer ist der Souverän? Zu einem Schlüsselbegriff der Staatsdiskussion".

 I. INTRODUÇÃO 
“Soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção”. Com essa “fórmula mágica”, Carl Schmitt, o mais importante e, ao mesmo tempo, mais controverso teórico da soberania do século XX, disse o essencial (SCHMITT, 1922, p. 13). Com tal afirmação , não se refere apenas ao lado estatal-legal da soberania, mas alude também ao aspecto político-constitucional da decisão capaz de suspender a lei – parcial e temporariamente – em caso extremo de emergência estatal. Pois enquanto o Estado encontra-se em situação normal, a soberania dorme, por assim dizer, o sono da “Bela Adormecida”. Apenas com o surgimento de uma situação de mudança radical, a “Bela Adormecida” é bruscamente despertada pelo “beijo” da crise. E é nessa crise que nos encontramos atualmente na Europa. Justamente essa crise esclarece-nos o quão importante é a soberania ilimitada para um Estado. 
A soberania é, por assim dizer, o “coração” do Estado e para de bater se o Estado é privado do direito à última decisão – e a soberania não significa nada diferente disso. Isso pode acontecer – involuntariamente – no decurso de uma guerra, pela ocupação do próprio território pelo exército inimigo e pela instalação de um regime de ocupação. Na guerra civil, a perda da soberania ocorre com frequência quando poderes de fora intervêm. Mas isso pode ocorrer também – voluntariamente – por meio da renúncia contratual à soberania e de sua transferência para outro Estado (transformando-se assim em seu protetorado) ou para uma forma de organização “superior” (tornando-se, por exemplo, membro de um Estado federativo) ou, ainda, para uma organização supranacional (a União Europeia por exemplo). O que sobra do “Estado” é então, no máximo, uma unidade administrativa. Como Estado, porém, ele é apenas uma embalagem vazia; suas ações parecem as convulsões de um zumbi, de um morto-vivo.
II. O DIREITO DA DECISÃO ÚLTIMA 
A soberania significa o direito do Estado à decisão última, tanto com referência a questões internas quanto externas. Trata-se, portanto, de um conceito duplo de soberania como fator da ordem tanto intraestatal quanto interestatal. Soberano é somente aquele que sozinho e em última instância válida decide sobre o bem e o mal de seus cidadãos e cidadãs. A ele pertencem as decisões sobre moeda e impostos, sobre adesão ou abandono de alianças, sobre o poderio e o arsenal das próprias Forças Armadas, sobre o estacionamento de tropas estrangeiras em seu próprio território e, finalmente, sobre guerra e paz. Carl Schmitt expressou isso conceitualmente da seguinte forma: “Se ele (o povo) deixar-se ditar por um estrangeiro sobre quem deve ser seu inimigo e contra quem é lhe permitido ou não lutar, então ele não é mais um povo politicamente livre e encontra-se integrado ou subordinado a outro sistema político” (SCHMITT, 1922, p. 50). 
No caso da soberania trata-se da unidade do poder estatal que, no século XVII, manifestou-se visivelmente na pessoa do monarca (por exemplo, do “Rei-Sol” Luís XIV). Ao mesmo tempo, trata-se também do conteúdo do Estado e da relação entre Estado e Direito. Isso diz respeito especialmente à relação entre o Estado e seus cidadãos e cidadãs. A todas as concepções de soberania subjaz uma imagem bem específica – seja ela positiva, seja ela negativa – do ser humano. Trata-se nesses casos de pessoas, procedimentos e instituições, mas também de simbolismos, de materializações e mesmo de emoções. A discussão sobre a soberania atua nesse contexto como um tipo de catalisador: no tema da soberania dividem-se as opiniões. Se um lado a vê como uma espécie de fortaleza em meio à tempestade que oferece alento contra a correnteza trituradora da história, o outro a considera raiz de todo mal e a fonte da repressão. 
A seguir, pretendo apresentar dois tipos básicos de soberania (seção II) e então discutir os fundamentos da discussão sobre a soberania (seção III). Além de sua força de ação voltada para o âmbito doméstico, a soberania diz respeito também à relação com outros estados, o que será apresentado a partir do exemplo do sistema estatal da Vestfália (seção IV). Em decor- rência da Revolução Francesa, a soberania original do príncipe transforma-se, em um primeiro passo, na soberania da nação e, finalmente, na soberania do povo (seção V). Com respeito à sua fundamentação e à sua execução, farei uma distinção entre três formas de soberania: a parlamentar, a constitucional e a soberania (direta) do povo (seção VI). Em uma seção própria intento discutir a crítica à soberania realizada a partir de pontos de vista bem diferentes (seção VII). Por fim, tratarei da seguinte questão: se uma potência média como a Alemanha ou se um país periférico como o Brasil é capaz de conquistar ou preservar a sua própria soberania (seção VIII). 
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IX. MAIS OU MENOS SOBERANIA? 
Diante dos conflitos não resolvidos no Oriente Médio e em outras partes do mundo, mostra-se que a ideia de uma ordem de paz global – em última instância oriunda de Kant e Kelsen – nada mais é do que uma ilusão. A chamada “comunidade internacional” é uma quimera e o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) demonstra-se incapaz de agir. Quem esperava algo diferente? Os Estados Unidos, como vencedores da II Guerra Mundial, desejavam criar com a ONU e especialmente com o Conselho de Segurança um “governo mundial” conveniente para eles. Dos cinco votos com direito de veto, quatro pertenciam aos Estados Unidos e seus aliados. Na época eram eles: Grã-Bretanha, França e China. A União Soviética tinha apenas um voto; em uma avaliação catastrófica dos fatos, a União Soviética foi considerada um amigo potencial do Ocidente pelos administradores estadunidenses Roosevelt (1933-1945) e Truman (1945-1953). Acreditava-se que seria possível sempre chegar a um acordo para proteger os interesses de todos os envolvidos. Os membros do Conselho de Segurança sem direito a veto ocupavam apenas o papel de folhas de figueiras, para ocultar as intenções hegemônicas dos Estados Unidos (VOIGT, 2005).
IX.1. O governo mundial – uma ilusão
Que tudo isso se baseava em ilusões, evidenciou-se já na Guerra da Coréia (1950-1953), na Guerra do Vietnã (oficialmente, 1965-1975) e posteriormente de novo. Com o consentimento dos Estados Unidos, a China comunista integrou o Conselho de Segurança em 1971 e em 1991 a Rússia substituiu a União Soviética. Com o desmoronamento da ordem bipolar, no fim da década de 1980, o “fim da história” parecia ter chegado, conforme postulou Francis Fukuyama no início da década de 1990 (FUKUYAMA, 1992). Os Estados Unidos transformaram-se de superpotência em hiperpotência, como os franceses agora os chamavam. Mas essa euforia não durou muito tempo. O ataque da Alcaida ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, deu início a uma “guerra global ao terror”, que transformou o mundo. Nenhum lugar do mundo está imune a ataques suicidas, uma desconfiança geral e medidas de segurança concretas mudaram o mundo. Porém, o que permanece são os antigos interesses geoestratégicos dos agentes globais. Seus governos servem-se dos discursos banais dos políticos e dos jornalistas sobre o “mundo perfeito” da paz geral para garantir a sua partilha. 
IX.2. A soberania ilimitada das potências nucleares
Obviamente, as grandes potências como os Estados Unidos, a Rússia e a China não pensam em desistir de seus interesses nacionais em prol de uma ordem mundial justa. Elas servem-se dessa semântica apenas para disfarçar seus próprios interesses concretos. Também faz parte disso “convencer” os estados menores a desistirem de sua busca pela soberania como algo antiquado e ultrapassado nos tempos atuais. Um exemplo evidente é a questão do armamento nuclear. As potências nucleares – Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha, França, Índia, Paquistão e Israel – sabem que soberano é apenas aquele Estado que dispõe do direito da decisão última, que, como ultima ratio, tem a possibilidade de usar armas nucleares. Tanto mais importante é para essas potências atômicas manterem todos os outros estados longe das armas nucleares. Eles comprometem-se, por meio da assinatura do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, a nunca aspirar à posse de armas nucleares. Ao mesmo tempo, uma campanha propagandística mostra a todas as boas pessoas o quão nocivas seriam as armas nucleares nas mãos de potências não nucleares e quão benéficas elas são nas mãos das atuais potências nucleares. 
IX.3. A soberania limitada das potências sem nada 
 Pois quem dispõe de armas nucleares, que podem ser utilizadas a qualquer momento – mesmo após um ataque nuclear – não pode ser facilmente extorquido. Charles de Gaulle reconheceu isso em 1958, quando criou a chamada force de frappé – contra a vontade dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Desde 1971, os submarinos nucleares servem como plataformas de lançamento marítimas. Eles dão à França a capacidade necessária para um contra-ataque nuclear após um ataque inicial do inimigo com armas nucleares. O mesmo vale para a Grã-Bretanha. Ambos os estados possuem ao mesmo tempo o direito a veto no Conselho de Segurança da ONU. Aqueles, porém, que – como a Alemanha – não possuem armas nucleares são forçados a procurar a proteção de uma potência nuclear. A França repetidamente ofereceu essa proteção à Alemanha – ao preço de uma participação considerável nos custos. A Alemanha sempre se decidiu pelos Estados Unidos. A potência protetora pode sempre ditar condições (altamente incômodas). Nessa situação de perigo, o Estado dependente de proteção já não possui mais o direito da decisão última: ele já não é (mais) soberano.

A citação foi longa mas ainda assim vou destacar a primeira oração do ponto II. O Direito da Decisão Última:
A soberania significa o direito do Estado à decisão última,  
tanto com referência a questões internas quanto externas.
Ora, como todos sabemos: 
  • Portugal não tem a decisão última sobre a sua moeda, o Euro; 
  • Portugal não tem a decisão última sobre o seu Orçamento de Estado;
  • Portugal não tem a decisão última sobre com que está, ou não está, em guerra; 
  • A existência de recurso para os Tribunais Europeus das decisões dos Tribunais Portugueses, significa que Portugal não tem a decisão última sobre as Questões de Justiça; 
logo Portugal não é um estado soberano.


Portugal não é um estado soberano e o fundo da questão é

¿ um estado não soberano necessita de forças armadas ?



Referências
1. Tancos: as três (i)responsabilidades | Opinião | PÚBLICO
2. Tancos e a parte imersa de um icebergue – O Jornal Económico
3. Quem é o Soberano? Sobre um Conceito-Chave na Discussão sobre o Estado – SciELO
4. Estado | Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
5. Soberania | Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.



Origem das imagens
1. A Guerra do Ultramar, escrita por quem a combateu (I), Miguel Machado
2. Quem é o Soberano? Sobre um Conceito-Chave na Discussão sobre o Estado – SciELO

Etiqueta principal: Portugal.
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